SALA DE LEITURA

The Cryptographer e a Necessária Inclusão Digital

Há algum tempo li um livro chamado The Cryptographer, de um autor britânico jovem e com um pensamento disruptivo (para a época), chamado Tobias Hill. Na verdade, li o livro por equívoco, para uma prova, que acabou me pedindo a leitura de outra obra. 

Li esta também, fiz a prova, passei, mas nem me lembro de que tratava o tal livro indicado. O que me marcou mesmo foi o que li sem querer. Ele falava de uma moeda nova, criptografada, lastreada em silício e cujo código era detido por um indivíduo – excêntrico, isolado e milionário –, é óbvio.

A gente não falava de criptomoedas com a facilidade que falamos hoje. Aquele mundo, descrito na obra, era distópico. Havia basicamente dois tipos de pessoas na sociedade: aqueles que sabiam lidar com a criptografia, que entendiam e falavam este idioma, que dispunham dos meios para realizar operações financeiras utilizando a tal moeda e por isso garantiam uma vida confortável, e aqueles que sobreviviam num local à margem da sociedade. 

Estes últimos eram os analfabetos funcionais daquele mundo, que ainda utilizavam uma moeda antiga que os obrigava a viver em uma realidade na qual apenas os seus iguais permaneciam. Para eles, não havia muita perspectiva.

Confesso que tive um certo medo. Me imaginei vivendo à margem de um mundo desconhecido em face do meu “analfabetismo criptográfico”.

E o que isso tem a ver com a inclusão digital? Bom, me parece que tudo!

Já lá no artigo 3º da Constituição encontramos alguns objetivos fundamentais do Estado Brasileiro. Dentre eles, temos o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Os últimos 18 meses mostraram que há um abismo no que diz respeito ao acesso. Da comida ao medicamento, do confinamento em espaços minúsculos e sem acesso à internet àqueles que possuem acesso à tecnologia hoje mais veloz: a internet 5G. 

E é aqui que convido à reflexão. No recorte do acesso à tecnologia, como andou e se desenvolveu a pandemia nos mais diversos países, empresas e famílias?

“Como empresa global, percebemos que o Brasil tem conectividade razoável. Em termos de tecnologia móvel, o mínimo necessário seria 4G, mas há um grande número de pessoas que depende de 3G e 2G. É preciso que a conectividade esteja entranhada para não termos excluídos digitais. A pandemia mostrou o efeito danoso dessa exclusão”, afirmou Ana Luiza Valadares, head de Políticas Públicas, Conectividade e Acesso do Facebook Brasil.

Aos que não tem acesso a um smartphone, como se deu a vacinação? Em muitas cidades, o cadastro no app é necessário. Aos que não lidam bem com aplicativos em face da idade, por exemplo, como fizeram suas operações bancárias? E por aí vai.

Mas foi no campo da educação, que as diferenças ficaram muito evidentes e o tempo necessário para a recuperação é ainda incerto. Muitos alunos não tiveram condições de frequentar as aulas virtuais simplesmente porque não têm acesso ao ambiente virtual. Alguns não têm o equipamento ou, mesmo o tendo, residem em locais onde a estrutura de acesso à conectividade é precária ou inexistente. 

Criam-se mundos distintos, pessoas com e sem acesso; há quem se desenvolveu na velocidade do mundo atual, ainda mais acelerada em termos de tecnologia durante os últimos 18 meses. E há aqueles que, como na obra de Hill, ficaram à margem. Ainda não se sabe ao certo o tamanho do gap educacional, para ficarmos somente neste aspecto, determinado pela falta de acesso. Para onde foram e o que fizeram durante pelo menos um ano (para ser otimista) aqueles que estão excluídos da tecnologia. Como trazê-los de volta aos bancos escolares? 

Acesso. Direito à educação é direito social garantido a todos, igualdade, é direito fundamental de todos os indivíduos. A construção de uma sociedade livre, passa necessariamente pela construção do pensamento crítico dos indivíduos, que manifestarão sua vontade de maneira independente. 

Eros Grau já afirmava que igualdade pressupõe senso e acesso, é preciso saber o que se quer e ter meios para conquistar o que se quer. Sem os meios, hoje, no ambiente do ensino virtual não se pode falar em senso, mudando-se a ordem das coisas, sem, contudo deixar-se de ver que o abismo aumenta.


Texto por: Alessandra Dabul
Editado por: Luiza Guimarães

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