Em 28 de junho do corrente ano foi publicada a Lei 14.905/2024, tendo por objeto a alteração de importantes dispositivos do Código Civil. Esta Lei vem causando grande impacto no já complexo sistema de juros no Brasil, especialmente no âmbito das relações privadas.
A alteração de maior destaque ocorreu no artigo 406, tendo em vista que a antiga redação do CC de 2002 já era objeto de farta discussão, em razão de suas duas interpretações: atualização pela aplicação da taxa de juros de 1% ao mês (determinada pelo artigo 161, § 1º do CTN) versus atualização pela aplicação da taxa SELIC. Referidas interpretações tornaram esta discussão jurídica infindável, pelo que a alteração imposta pela Lei 14.905 é de extrema relevância. Nesse contexto e com o intuito de pôr fim a referida discussão, a Lei 14.905 nos trouxe a alteração do artigo 406 para determinar, expressamente, que a taxa legal – caso não convencionada, convencionado sem taxa, ou quando provier de lei – corresponde à SELIC com abatimento do índice de correção monetária. A nova redação parece ter simplificado e pacificado o complexo tema. Quanto à forma de aplicação, através da Resolução CMN 2171/24, o Conselho Monetário Nacional estabeleceu a metodologia de cálculo e a forma de aplicação da taxa legal, nos termos do §2º do art. 406. A ferramenta “Calculadora do Cidadão” está disponível no site do Banco Central, sendo possível realizar a atualização pelos novos critérios dispostos no artigo 406.
A Lei 14.905 também acrescentou o parágrafo único ao artigo 389 do Código Civil, para determinar que caso o índice de correção não tenha sido convencionado ou previsto em lei, o índice a ser adotado é a variação do IPCA/IBGE, sanando a recorrente dúvida de qual é o índice a ser aplicado em caso de falta de previsão.
Ainda, a lei 14.905 trouxe mais uma importante alteração no que diz respeito ao artigo 591 do Código Civil: pela nova redação, nos casos de mútuo para fins econômicos, a taxa de juros pode ser livremente pactuada entre partes (inclusive em percentual superior à taxa legal) e se não pactuada, aplica-se a taxa legal do artigo 406.
E, por fim, a Lei 14.905 acrescentou ainda algumas hipóteses de não aplicação do Decreto nº 22.626/33, conhecido como Lei da Usura. Dentre as hipóteses, tem-se às obrigações contratadas entre pessoas jurídicas (I), e representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários (II). Importante lembrar que a Lei da Usura, em seu artigo 1º, veda a estipulação de taxas de juros superiores à taxa legal em contratos. Portanto, o que se verifica agora é que nas hipóteses do artigo 3º da Lei 14.905, esta vedação não se aplica, abrindo-se um grande leque nas relações negociais e fortalecendo a autonomia privada.
As alterações trazidas pela Lei 14.905/24 trouxeram definições importantes para o complexo sistema de juros no ordenamento brasileiro, mas deixaram a seguinte pergunta: Daqui por diante (a alteração da lei não alcança negócios existentes antes de sua vigência, em respeito ao ato jurídico perfeito), qual será o limite para as taxas de juros agora flexibilizadas? O Código Civil possui mecanismos de revisão contratual em casos de desequilíbrio, porém, não se pode ocultar que o exercício da autonomia privada entre contratantes foi muito valorizado pelo legislador nas mudanças implementadas pela nova lei.
*Texto por: Carolina Kantek
*Editado por: Luiza Guimarães