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Os desafios da governança em empresas familiares sob a ótica dos 3 círculos de John Davis

A governança corporativa e a sucessão nas estruturas familiares são temas de extrema relevância, quando se considera a influência das empresas familiares na economia e as consequências advindas da ausência de um planejamento adequado. No Brasil, cerca de 90% das empresas têm perfil familiar, representando aproximadamente 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e empregando 75% da força de trabalho do país. No entanto, as empresas familiares enfrentam desafios únicos de governança devido à complexidade de sua dinâmica.

A dinâmica da governança, quando analisada sob a perspectiva dos três círculos de John Davis, refere-se à interseção e interação dos três elementos fundamentais em uma empresa familiar: a família, a propriedade e a gestão. Esta abordagem dos três círculos é crucial para compreender como a governança se desenvolve dentro de um contexto familiar e empresarial, permitindo a gestão eficaz dos interesses de cada esfera.

Tres Circulos da Governanca

A contribuição de John Davis e Renato Tagiuri na criação do “Modelo dos Três Círculos” na Harvard Business School em 1978 é um marco significativo no entendimento e na gestão de empresas familiares. Esse modelo, desde então, tornou-se uma ferramenta essencial para famílias empresárias ao redor do mundo, ajudando-as a navegar pelas complexidades das relações familiares, da gestão empresarial e da propriedade.

Família

Este círculo representa os membros da família que têm influência na empresa, seja como proprietários ou não. No círculo da família, questões emocionais, valores, tradições, expectativas e relações pessoais são centrais. A dinâmica familiar, suas relações intergeracionais e intrageracionais, bem como a influência dos membros familiares na empresa, são consideradas na governança. O foco está na preservação dos valores, interesses e harmonia familiar, ao mesmo tempo em que se busca alinhar esses elementos com os objetivos e necessidades da empresa.

Propriedade

O segundo círculo trata da estrutura de propriedade da empresa, e nele estão inclusos os acionistas, detentores de participação societária, membros da família, ou não. Esse círculo envolve questões relacionadas à posse de ações, direitos de voto, decisões sobre distribuição de recursos financeiros e o estabelecimento de diretrizes para a transferência de propriedade. A governança nessa esfera visa garantir uma estrutura de propriedade estável, garantindo o alinhamento dos interesses dos acionistas familiares e dos acionistas não familiares com os objetivos de longo prazo da empresa.

Gestão

Este círculo concentra-se na administração e na operação diária da empresa. Inclui executivos, gerentes e funcionários – familiares ou não – que desempenham papéis-chave na gestão e execução das operações da empresa. No círculo da gestão, a governança se concentra na definição de estratégias, na seleção de executivos e gerentes, a definição de políticas internas e a tomada de decisões operacionais. A governança aqui busca garantir a eficiência operacional, a inovação e o cumprimento dos objetivos corporativos.

Os 3 círculos da governança familiar: sobreposições

Os desafios da governança familiar surgem, no entanto, nas áreas de sobreposição entre esses círculos:

Família e Propriedade: Aqui, os desafios incluem a definição de direitos de propriedade, gestão e governança da empresa. Decisões sobre a transferência de propriedade, controle e alinhamento de interesses da família com os objetivos da empresa entram em cena. Decidir pela alocação de recursos financeiros, como investir em expansão versus distribuir dividendos, pode ser um ponto de atrito entre a família e os acionistas não familiares.

Propriedade e Gestão: Nesta interseção, desafios podem surgir relacionados à governança corporativa, estrutura de propriedade e as decisões estratégicas para o funcionamento eficiente e sustentável da empresa. A transição de uma gestão familiar para uma mais profissional pode ser desafiadora. Membros da família podem resistir a mudanças, e a gestão externa pode ter dificuldades em lidar com as dinâmicas familiares.

Família e Gestão: Os desafios podem incluir conflitos de interesses entre membros da família que estão ou não envolvidos na gestão da empresa. Por exemplo, a diferença da remuneração dos herdeiros que participam da gestão daqueles que não participam da gestão pode impactar severamente a harmonia familiar. Além disso, a gestão eficaz dos negócios é frequentemente desafiada pela necessidade de equilibrar a promoção de membros da família com a necessidade de garantir que as posições-chave sejam ocupadas por indivíduos competentes. A escolha entre familiares, sem a devida competência pode prejudicar a eficiência e a moral da equipe.

Os desafios dos 3 círculos da governança familiar

É nesta interseção onde as dinâmicas mais complexas e desafiadoras ocorrem na governança das empresas familiares. Esse ponto de intersecção diz respeito ao encontro dos interesses e desafios das esferas da família, propriedade e gestão, muitas vezes um se sobrepondo ao outro. Estes interesses precisam ser gerenciados de forma cuidadosa e estratégica para garantir a estabilidade e o sucesso a longo prazo da empresa.

A transição de liderança entre gerações dentro da família, por exemplo, pode se tornar um terreno fértil para conflitos, especialmente quando acionistas familiares discordam sobre quem deve liderar, quais as qualificações necessárias e como as responsabilidades serão divididas. Nestes casos, muitas vezes há uma confusão acerca da diferença entre direito patrimonial à herança e o papel de administrador dos negócios.

A interferência de dinâmicas emocionais nas decisões, como favoritismo ou ressentimentos familiares, pode prejudicar a harmonia entre os sócios e a tomada de decisões racionais e objetivas. A falta de um plano de sucessão claro pode levar a uma transição abrupta e mal gerenciada. Isso resulta em lacunas de liderança e impactando negativamente a continuidade do negócio.

Governança Familiar é a solução?

Diante desses complexos desafios exemplificados acima, é possível afirmar que a governança familiar pode ser considerada uma (não a única!) ferramenta eficaz para a minimização dos riscos inerentes à complexa dinâmica das empresas familiares.

Estruturas de governança claras ajudam a definir papéis, responsabilidades e processos decisórios. A criação de práticas e políticas que promovem a transparência nas operações e decisões da empresa reduzem o risco de informações opacas ou mal comunicadas, evitando mal-entendidos que possam levar a conflitos internos e externos.

Uma das pautas prioritárias da governança familiar consiste no desenvolvimento de planos de sucessão, identificando líderes futuros e preparando a empresa para transições de liderança, o que mitiga o risco de lacunas de liderança e assegura uma transição suave, mantendo a continuidade e a eficácia operacional.

Além disso, a governança familiar envolve o estabelecimento de diretrizes que norteiam a sociedade em áreas como distribuição de dividendos, investimentos e estratégias de crescimento. Embora não possa ser considerada a única solução para os desafios inerentes à complexa estrutura das empresas familiares, a governança familiar é, sim, uma importante ferramenta para o gerenciamento desses riscos.

*Artigo por: Maxwell Lima Dias

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