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O CARF, a MP 1.160/23 e o Direito ao Devido Processo Legal

O processo administrativo tributário federal no Brasil é o procedimento pelo qual os contribuintes podem contestar lançamentos fiscais realizados pela Receita Federal do Brasil (RFB). O processo é dividido em várias fases, iniciando-se com o peticionamento da impugnação ao auto de infração perante a Delegacia da Receita Federal (DRF) responsável. Nessa fase inicial, o contribuinte apresenta seus argumentos e provas contestando os valores ou a legalidade do lançamento.

Caso a DRF mantenha a decisão, o contribuinte pode interpor recurso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O recurso deve ser apresentado com fundamentação detalhada, apontando os erros ou ilegalidades cometidas pela DRF e solicitando a revisão da decisão. O CARF é um órgão colegiado que analisa os recursos e possui diversas turmas especializadas, garantindo um julgamento mais imparcial e técnico.

Se o contribuinte não obtiver êxito no CARF, pode apresentar novo recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Essa etapa é a última instância administrativa dentro do processo tributário federal. Na CSRF, os recursos são julgados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, proporcionando um ambiente de debate e imparcialidade.

É importante destacar que, durante todo o processo administrativo, é possível realizar acordos com a RFB, extinguindo o litígio por meio do Compromisso de Ajuste de Conduta (CAC) ou do Pedido de Revisão de Lançamento (PRL). Essas são opções que visam evitar litígios prolongados e encontrar soluções consensuais.

Em resumo, o processo administrativo tributário federal compreende as fases de peticionamento inicial perante a DRF, com a possibilidade de recursos ao CARF e à CSRF, além de alternativas de acordo para encerramento consensual das disputas fiscais. O processo busca assegurar a garantia dos direitos dos contribuintes e a correta aplicação da legislação tributária, permitindo uma análise mais justa e imparcial das questões fiscais.

O que comentamos acima encontra fundamento legal na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. A referida lei estabelece normas gerais sobre o processo administrativo, e é aplicada subsidiariamente aos processos administrativos tributários.

O artigo 2º da Lei nº 9.784/1999 assegura aos administrados, incluindo os contribuintes, o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao uso dos meios e recursos admitidos em direito no processo administrativo. Esse artigo fundamenta o princípio do devido processo legal no âmbito administrativo, garantindo aos contribuintes a oportunidade de se manifestarem e apresentarem suas razões e provas contra lançamentos fiscais.

Já o processo administrativo tributário específico, em âmbito federal, é regulamentado pelo Decreto nº 70.235/72, que trata estabelece regras para o processo de impugnação e recursos administrativos relativos aos tributos federais. No artigo 7º e seguintes do referido Decreto, fica estabelecido o procedimento de impugnação do lançamento tributário, onde o contribuinte apresenta sua defesa à autoridade competente, no caso, a Delegacia da Receita Federal.

Em relação ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a sua estrutura e competência estão estabelecidas no artigo 25, caput, inciso II, e §2º do referido Decreto, em que fica assegurado o direito do contribuinte de recorrer das decisões proferidas pela autoridade fiscal na esfera administrativa em 1ª instância. Esse recurso é fundamental para que os contribuintes possam ter uma revisão técnica e especializada das decisões tomadas pela administração fiscal.

Quanto à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), sua composição e atribuições estão previstas na Portaria MF nº 343/2015. A CSRF é a instância final do processo administrativo tributário federal, responsável por uniformizar a interpretação da legislação tributária federal e decidir sobre recursos especiais. Dessa forma, os contribuintes têm a garantia de um julgamento imparcial e técnico nas questões tributárias.

Essas são apenas algumas das legislações que fundamentam o processo administrativo tributário federal no Brasil, sendo essencial para garantir a segurança jurídica e o respeito aos direitos dos contribuintes em suas relações com o Fisco.

No entanto, o sistema tributário federal enfrenta uma questão polêmica relacionada ao voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O Decreto nº 70.235/1972 estabelece a composição e competência do CARF, mas o voto de qualidade é um dispositivo controverso que permite ao presidente da turma (representante da Fazenda Nacional) ter um voto de desempate no caso de empate entre os conselheiros representantes dos contribuintes e da Fazenda. 

Essa questão do voto de qualidade pode gerar impactos significativos nas decisões finais do CARF, uma vez que o voto do presidente pode prevalecer sobre o entendimento dos demais conselheiros, inclinando a balança em favor da Fazenda Nacional. Essa situação tem sido objeto de debates e críticas por parte dos contribuintes, que questionam a imparcialidade e a equidade do processo.

A Lei nº 13.988/20, ao incluir o art. 19-A na Lei nº 10.522/02, determinou que o voto de qualidade acima referido não mais se aplicaria em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, o qual resolver-se-ia em favor do contribuinte. O objetivo da Lei é que as decisões no CARF sejam tomadas de forma colegiada, com igual peso e importância para todos os conselheiros, sejam eles representantes da Fazenda Nacional ou dos contribuintes. Essa alteração buscaria garantir uma maior equidade nas deliberações e evitar que o resultado do julgamento seja influenciado unicamente pelo voto do presidente – representante da Fazenda.

Por outro lado, a Lei nº 13.988, em seu art. 23, parágrafo único, passou a limitar a recorribilidade ao CARF (materialização do princípio da ampla defesa garantida ao Contribuinte), para discussões cujo valor do crédito tributário ultrapassasse 60 (sessenta) salários-mínimos.

Numa tentativa de aumentar a arrecadação, o Governo atual, pretendeu, por intermédio da MP nº 1.160/2023, reintroduzir o voto de qualidade, bem como aumentar ainda mais o limite imposto aos Contribuintes para recorribilidade ao CARF, aumentando de 60 (sessenta) para 1.000 (mil) salários-mínimos. Pretensão essa, no mínimo, trágica ao Contribuinte! 

Isso porque os Contribuintes que procurarem a Autoridade Administrativa para discutirem eventuais irregularidades em autuações fazendárias de pequeno valor, assim consideradas aquelas cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere sessenta salários-mínimos – ou mil salários-mínimos, como pretende o Governo Federal -, terão seu pleito julgado apenas no âmbito das Delegacias de Julgamento – DRJ’s, ainda que em dupla instância.  A problemática se verifica pelo simples fato de que os pleitos dos Contribuintes passariam a ser julgados somente por membros da Receita Federal do Brasil – um risco aos princípios da segurança jurídica, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Cumpre ressaltar que o CARF, como um órgão colegiado, desempenha um papel essencial na análise técnica das questões tributárias, proporcionando um espaço para o debate e a discussão aprofundada de temas complexos. A busca pela excelência técnica e pela imparcialidade deve ser uma premissa no julgamento dos processos administrativos, a fim de garantir uma justa aplicação da legislação tributária e a tutela dos direitos dos contribuintes.

Felizmente, a Medida Provisória acima citada perdeu a sua vigência, mas a pretensão do Governo de restringir o acesso do Contribuinte ao CARF, e, consequentemente, aumentar a arrecadação, continua viva. É preciso, então, ficar atento às novas alterações na legislação tributária, para se evitar surpresas (inconstitucionais) desagradáveis.

Em conclusão, a revisão do sistema de voto de qualidade no CARF e o aprimoramento do processo administrativo tributário são de extrema importância para fortalecer a segurança jurídica e a credibilidade do sistema tributário federal. A busca por uma análise mais justa e imparcial das questões fiscais, pautada em critérios técnicos e transparentes, é essencial para equilibrar as relações entre o Fisco e os contribuintes, garantindo o pleno exercício dos direitos e deveres no âmbito tributário.

*Artigo por: Itamar Coelho
*Com contribuições de: Maxwell Lima Dias
*Edição: Luiza Guimarães
*Revisão: Alessandra Dabul

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