*por Luiza Guimarães
O PL 3887/20 é uma proposta do atual Ministro da Economia Paulo Guedes. Este projeto de lei vem movimentando as discussões sobre a reforma tributária desde 21/07/2020, data de sua apresentação. Junto com a PEC 45 e a PEC 110, o PL 3887/20 traz propostas que possibilitam que o Brasil, uma vez mais, ensaie os primeiros passos em direção a uma reforma no sistema tributário.
A advogada Lires Ianoski, da Pereira, Dabul, detalhou os principais pontos sobre o novo projeto de lei. Confira esses pontos e reflexões relevantes sobre o PL 3887/20 na entrevista.
O que o PL 3887/20 traz de diferente para a discussão sobre reforma tributária?
Lires Ianoski: primeiramente, é necessário fazer um apanhado geral. Existem, no momento, duas PECs em andamento para a reforma tributária. Uma está na Câmara, a PEC 45, e a outra no Senado, a PEC 110. Ambas apresentam pontos que podem ser alvo de críticas, mas vale também ressaltar muitos pontos positivos. O que todas essas medidas pretendem, em geral, é simplificar o nosso sistema tributário. É algo que precisamos, mas mesmo assim essas ideias ainda estão lá, paradas. Agora no dia 21/07 veio esse novo Projeto de Lei, de autoria do ministro Paulo Guedes. Pelo que eu pude notar em uma primeira observação, apesar do discurso de que o projeto vem para simplificar, para fazer um realinhamento com o padrão mundial da tributação sobre o consumo, ele tem também várias distorções.
Você poderia dar alguns exemplos do que seriam essas distorções?
Lires Ianoski: ele tenta nesse primeiro momento unificar duas contribuições, o PIS e a Cofins, criando a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Então o Projeto de Lei promete simplificar, reunindo dois tributos em um só. Ele tira vários regimes diferenciados de tributação, não haveria mais cumulatividade e estabeleceria uma alíquota única. Essa alíquota seria mais transparente, pois incidiria sobre o valor da receita bruta da empresa, e não mais sobre todas as receitas. Só que, quando analisamos o Projeto de Lei com 130 artigos, ele é bem complexo. Apesar da exposição de motivos deste PL ser interessante, a leitura do Projeto de Lei em si causa algumas preocupações, podendo, inclusive aumentar a quantidade de litígios, dada a existência de conceitos indefinidos.
Primeiro ponto: as empresas, principalmente algumas do setor de serviços, que hoje estão acostumadas a pagar no sistema cumulativo uma alíquota total de PIS e Cofins de 3,65%, vão passar a pagar 12%.
Parece um bom aumento. Qual é a argumentação a favor dessa mudança?
Lires Ianoski: o Governo diz que irá neutralizar isso. Você passaria a pagar 12%, mas você teria crédito em tudo o que você comprasse. E a ideia seria repassar isso para o consumidor, para que a gente fique mais próximo do sistema de tributação dos países modernos, que é sobre o valor agregado – o conhecido IVA. Então, conceder-se-ia, segundo o Governo, maior transparência. Nós, consumidores, saberíamos exatamente quanto de tributo estaríamos pagando. Além do mais, a empresa só iria pagar sobre o valor que ela agregar ao produto ou serviço, tomando crédito de tudo o que ela compra na entrada.
Só que na prática não dá para saber se isso vai acontecer. Algumas empresas talvez não consigam, nesse momento, repassar esses 12% para o consumidor, tampouco tomar crédito de tudo o que compram. O consumidor não vai conseguir dar conta desse aumento e a empresa acabará tendo uma oneração. Então provavelmente vai implicar, sim, no aumento da carga tributária.
Essa alíquota de 12% valeria para todas as empresas?
Lires Ianoski: não. Os bancos, instituições financeiras e seguradoras, por exemplo, vão ficar com uma alíquota de 5,8%. Isso é menos da metade do que a proposta de 12%. Segundo o Governo, essa alíquota diferenciada existiria porque essas instituições seguem um regime próprio e não conseguem tomar muito crédito. No entanto, se a ideia é caminharmos para uma isonomia, esse é um ponto que pode gerar discussão.
Haveria mudanças também para as empresas que adotam o Simples Nacional?
Lires Ianoski: o Governo tem falado que nada mudaria para as empresas que adotam o sistema do Simples Nacional. Na prática, será que a gente não acabaria desincentivando as empresas de contratarem quem adere ao Simples? Por exemplo, digamos que eu tenho uma empresa. Sob esse novo sistema, ela ganharia crédito de 12% para tudo o que contratasse. Quando ela comprasse de uma empresa do Simples, porém, ela só poderia tomar o crédito do imposto que essa empresa do Simples paga, que é uma alíquota muito menor. Então, talvez, ela opte por contratar uma empresa que não esteja no Simples.
Por outro lado, essa empresa do Simples também tem seus fornecedores. E quando ela for comprar desses fornecedores, ela provavelmente comprará de alguém que estará tributando a CBS na alíquota de 12%. E ela não vai conseguir aproveitar esse crédito, que vai virar um custo para ela. Esse custo deverá ser, então, repassado para o consumidor.
Na sua opinião, o PL 3887/20 traz realmente os primeiros passos para uma Reforma Tributária, ou existem outras medidas que deveriam ser priorizadas?
Lires Ianoski: na minha opinião, se esse projeto passar, o fornecedor vai acabar absorvendo o valor de 12% e vai acabar sendo mais prejudicado ainda – aumentar a tributação sobre a receita no momento em que as empresas estão tendo prejuízo não parece ser o mais adequado. O Governo anunciou esse Projeto de Lei e disse que, depois, seguirá para outras fases da Reforma Tributária (anunciada em quatro fases), como a desoneração da folha de pagamentos. Isso, por exemplo, é algo que o Governo deveria fazer de imediato. No momento em que estamos é mais importante que as empresas continuem se mantendo economicamente ativas e produtivas no mercado e gerando empregos. E onde que elas são mais oneradas?
Um dos pontos é na folha de pagamento. Custa muito, hoje, manter os empregados. Então por que não começar por esse lado, ao invés de onerar ainda mais a receita, já tão difícil de ser obtida pelas empresas no atual cenário econômico que estávamos vivenciando em decorrência da pandemia mundial?