Nos últimos tempos, a questão da incidência de Imposto de Renda sobre a incorporação de ações em processos de fusão ou aquisição tem sido alvo de intensos debates. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) emitiu uma decisão que autoriza a cobrança de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) sobre esse tipo de operação. No entanto, essa decisão – além de ser contrária à própria norma tributária – não é unânime.
O debate principal gira em torno das seguintes questões: a incorporação de ações deve ser equiparada a uma operação de compra e venda? Há, de fato, um ganho efetivo que justifique a tributação?
No caso julgado pela 3ª Turma do TRF-6, envolvendo a fusão dos grupos Hermes Pardini e Fleury, a Fazenda Nacional obteve uma decisão favorável que permite a incidência de IRPF na incorporação de ações. Nesse cenário, a Receita Federal alega que há um ganho de capital com a diferença positiva entre o custo de aquisição das ações da sociedade incorporada e o valor de mercado/avaliação das ações recebidas em contrapartida pela sociedade incorporadora (processo nº 1005506-28.2023.4.06.0000).
O argumento do contribuinte tem se fundamentado no fato de que a operação se baseia na equivalência patrimonial entre as participações societárias. Isso permite que uma ação seja trocada por outra de valor compatível, mantendo a situação patrimonial dos acionistas envolvidos. Qualquer incremento patrimonial seria potencial e sujeito às variações do mercado.
No entanto, a decisão do TRF-6 não é a única a tratar desse assunto. Em vários tribunais regionais federais, prevalecem decisões que são contrárias à União. Em caso semelhante, julgado pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, o juízo entendeu que a tributação do IR deve ser afastada, tendo em vista que a operação é instituto jurídico próprio do Direito Societário. Ela não se confunde com a alienação de ações, consubstanciando-se em simples substituição de ações mediante sub-rogação. Também não está presente o fato gerador da hipótese de incidência do imposto de renda (processo nº 5002494-57.2020.4.03.6100). O TRF-4, ainda, tem decidido em favor dos contribuintes para afastar a incidência do imposto de renda na incorporação na incorporação de ações. Por exemplo o caso da incorporação da Cia. Hering pelo Grupo Soma, em 2021. Portanto, não há um consenso sobre a tributação da incorporação de ações em operações de M&A.
A incorporação de ações é um negócio jurídico típico, previsto na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), em seu artigo 252. Possui requisitos formais e consequências jurídicas distintas da alienação de ações. Em resumo, na incorporação de ações uma sociedade incorpora ao seu patrimônio as ações de uma outra companhia, que se converte em subsidiária integral da sociedade incorporadora. Diferentemente da incorporação propriamente dita, ambas as pessoas jurídicas continuam a existir. Ademais, sob a perspectiva do acionista da sociedade incorporada, ocorre a substituição das ações que detinha antes (da companhia incorporada), por ações emitidas pela sociedade incorporadora, em valor equivalente. Vê-se, assim, que o que ocorre é a mera substituição de ações mediante sub-rogação.
Conforme dispõe o art. 31 do Decreto-Lei 1.598/1977, compõem o ganho de capital, para fins de lucro real, o resultado na alienação, a desapropriação, a baixa por perecimento, a extinção, o desgaste, a exaustão ou a liquidação de bens do ativo não circulante. Deste modo, foge das hipóteses de incidência do imposto a incorporação de ações, por ausência de previsão legal.
Cumpre ressaltar que a incorporação de ações não se confunde com a alienação. O que acontece na incorporação de ações é a troca de ativos, sem uma realização imediata de ganho, e qualquer potencial valorização das ações é meramente hipotética, sujeita às flutuações do mercado.
O IRPF não deve incidir sobre valorização potencial, mas sim sobre renda efetiva auferida, sob pena de violação aos princípios da tipicidade e da legalidade tributária.
Além disso, o sistema legal brasileiro e os princípios da capacidade contributiva defendem que o IRPF deve incidir somente sobre ganhos efetivamente realizados e disponíveis. Como a operação de incorporação de ações envolve apenas a troca de ativos sem a disponibilidade financeira imediata, a tributação se mostra inadequada. Ainda que haja uma diferença positiva entre o custo de aquisição das ações e seu valor de mercado, essa diferença é meramente potencial e não pode ser considerada como uma base de tributação. Somente estará sujeita à incidência no momento de alienação ou baixa do investimento.
Nas operações de incorporação de ações, portanto, não há efetiva realização de ganho, apenas a expectativa de valorização, que está sujeita às flutuações do mercado e só pode ser mensurada na data do resgate da participação. A não incidência do IRPF na incorporação de ações é justificada pela ausência de previsão legal (não é hipótese de incidência do imposto) e pela ausência de realização de ganho efetivo no momento da operação.
Não obstante a manifesta ilegalidade na exação do imposto de renda sobre a incorporação de ações, trata-se de um tema complexo e ainda em debate no sistema jurídico brasileiro. A recente decisão do TRF-6, autorizando a incidência de IRPF, demonstra que não há consenso entre os tribunais regionais pátrios, considerando que outros tribunais regionais federais têm emitido decisões favoráveis aos contribuintes.
Enquanto isso, empresas e investidores devem permanecer atentos às decisões administrativas e judiciais, e buscar orientação jurídica especializada para entender as implicações fiscais de suas operações.
Nesse sentido, a Pereira, Dabul Advogados se coloca à disposição para assessoria jurídica societária e tributária em operações estruturadas de M&A. Assessoramos o cliente desde a realização de due diligence e elaboração dos contratos e instrumentos societários até a implementação de planejamento tributário voltado à otimização da carga tributária incidente na operação.
Texto por: Maxwell Lima Dias
Editado por: Luiza Guimarães